Bom dia.
Eis um capítulo "emocionante" na vida de Abrão...
"No post ABRAÃO 05 - LIÇÕES DE UMA NOITE ESTRELADA o texto sagrado nos conduziu à intimidade da tenda de Abraão, onde Deus o visitara numa noite inesquecível.
Neste capítulo somos novamente conduzidos à tenda de Abraão, mas para assistirmos a uma discussão entre marido e mulher.
Se o coração de Abraão adoecia porque as promessas de Deus demoravam a se cumprir, o de sua esposa Sara (na época, Sarai) também não era imune a esses sentimentos. O capítulo começa falando que ela "não havia conseguido lhe dar filhos".
Imaginemos o que se passa no coração de Sara. Ela era estéril (Gênesis 11.30), e ter essa condição no cenário bíblico era uma enorme humilhação. Não conseguia corresponder ao que esperavam dela, por isso se sentia esmagada pela pressão.
Já fazia dez anos que a promessa de Deus, fazer de Abraão uma grande nação, tinha sido feita (v. 3) e, apesar da beleza de Sara e dos recursos financeiros, seu colo permanecia vazio. Dez anos, tentando ter o filho prometido por Deus, porém, sem sucesso. A espera a sufocava. O que fazer? Ela resolveu “dar uma ajuda” a Deus, lançando mão de todos os recursos possíveis para atingir seu objetivo:
Tinha, porém, uma serva egípcia chamada Hagar. Sarai disse a Abrão: “O SENHOR me impediu de ter filhos. Vá e deite-se com minha serva. Talvez, por meio dela, eu consiga ter uma família”.
(Gênesis 16.1,2)
Embora o costume seja estranho para nós, o antigo Oriente Próximo tem registros que ilustram que a prática era aceitável naquela cultura. O uso de uma escrava pessoal para dar filhos à família era legítimo, uma vez que a escrava era considerada uma “propriedade”.
Abraão pode ter assumido que esse era o meio de Deus para fornecer um herdeiro biológico para cumprir suas promessas. Sara e Abraão estavam tentando cumprir as promessas de Deus por sua própria força. No entanto, o filho de Hagar, Ismael, não seria o filho da promessa.
Mas as coisas não saíram como Sara planejou. Hagar ficou grávida e passou a tratar sua senhora com desprezo (v. 4). Esse é um capítulo repleto de emoções. Um caldeirão cheio delas vai fervilhando dentro da esposa de Abraão:
Então Sarai disse a Abrão: “Você é o culpado da vergonha que estou passando! Entreguei minha serva a você, mas, agora que engravidou, ela me trata com desprezo. O SENHOR mostrará quem está errado: você ou eu!”.
(Gênesis 16.5)
Abraão, que fizera a vontade da esposa, agora responde a ela:
“Hagar é sua serva. Faça com ela o que lhe parecer melhor”.
(Gênesis 16.6)
Então Sara a tratou tão mal que Hagar fugiu.
Passando o drama a limpo
Sara coloca a culpa da situação em Deus (v. 2) e, depois, em Abraão (v. 5).
Por sua vez, Abraão aceitou a proposta inicial de Sara sem consultar o Senhor, ou seja, cometeu o mesmo erro do capítulo 12, quando a fome o visitou. Agora tem que ficar ouvindo "a culpa é sua"...
Completa o quadro uma escrava que não soube lidar com a "promoção" que recebera. Quem "se acha demais" acaba se perdendo. Hagar é humilhada até não poder mais suportar, e foge.
Walter Brueggemann, em seu comentário de Gênesis, escreve:
Teologicamente, a narrativa afirma que Abraão e Sara não acreditaram na promessa. Como em 12.10–20 [o episódio no Egito], Abraão retoma a promessa com suas próprias mãos, não querendo esperar que Deus cumpra seu propósito inescrutável. Calvino chama a fé deles de "defeituosa". Essa é a principal questão a ser abordada.
Fé não é fácil. Exige uma persistência que seja contra o bom senso. Requer acreditar em um presente de Deus que nenhuma das evidências atuais pode comprovar.
As emoções não devem governar o coração humano. O Criador nos fez com elas. Elas existem e não devem ser ignoradas. Mas elas não podem conduzir nossas decisões, pois oscilam demais. Precisamos temperá-las com a fé, que também oscila, e, sobretudo, com as promessas de Deus, que são estáveis, imutáveis.
Assim, o trem da vida tem que ter na locomotiva a Palavra de Deus, depois a fé, e por último, as emoções.
Se você resolver fazer dos sentidos e dos sentimentos o juiz de sua condição, irá viver em temores e deitar-se em lágrimas.
Thomas Brooks, 1608-1680
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